sábado, 21 de janeiro de 2012

A vida tem seus mistérios

Quando comprei "Cem sonetos de amor", do Neruda, em 2001, achei uma preguiça. Não me culpo, acho que não é mesmo um livro para jovens, ainda que apaixonados. Mas não me arrependi; quase nunca me arrependo de comprar um livro. Acho que cedo ou tarde a hora dele chega e aí ele já está ali na estante me esperando, quiçá até meio aconchegantemente amarelado.

Pois bem. Onze anos e três visitas seguidas a Valparaíso depois, os sonetos me são uma leitura deliciosa. É claro que as primaveras devem ter feito comigo também o que fazem com as cerejas, mas, nesse caso, o contexto é fundamental. Me apaixonei pelo Chile e, ainda mais perdidamente, por esta cidade nada óbvia (nesse sentido, é parecido com amar São Paulo). É claro que tem o mar, os pássaros; tem o colorido das casas, dos grafites e das pequenas flores; tem a comida do mar, os vinhos e o pisco sauer; as manhãs sempre enevoadas e o friozinho que chega à noite mesmo que o sol aparecça, tem os chás; o Congresso, a atmosfera de rebeldia, as muitas universidades. Mas tem ainda algo de intangível, que não alcança a todos. E é aí que eu me sinto totalmente cúmplice do Neruda. Um certo drama, talvez?




E sigo então saboreando os sonetos:

"Hoje é hoje com o peso de todo o tempo ido,
com as asas de tudo o que será amanhã,
hoje é o Sul do mar, a velha idade da água
e a composição de um novo dia."

Até o fim. Quando encontro então algo escrito a mão pela minha Mãe, que era puro mistério e que partiu desta pra uma melhor (espero!) há exatos 6 anos e 2 dias. Algo escrito pelo Neruda e reproduzido por ela para que, num dia como hoje, com o peso de todo o tempo ido e com as asas de tudo o que será amanhã, eu encontrasse e me espantasse:

"Já cansei de andar buscando em vão
Não encontro meus olhos, meus pés, minhas mãos,
a casa onde devo cantar minha canção"